terça-feira, 1 de abril de 2014

Jacques Le Goff, historiador e ensaísta

Faleceu hoje um dos maiores medievalistas franceses, Jacques Le Goff (1924-2014). A riqueza e a complexidade da Idade Média aparecem com detalhes em seus textos de corte ensaístico. Escrevia com gosto e dá gosto ler o que escreveu. Mesmo os seus críticos mais ferrenhos acabavam por reconhecer este seu talento: "ler Le Goff é sempre um vivo prazer".

O historiador que vai às fontes encontra trevas e luzes. Não há um tempo absolutamente monstruoso ou absolutamente brilhante. Só a ideologia cega vende esse tipo de crença. Desgraça, beleza, veneno, pureza, traição e glória há em todos os períodos do tempo humano. Misturados.

Vou à minha estante e recolho dois livros de Le Goff: A Idade Média e o dinheiro (Civilização Brasileira, 2014) e São Francisco de Assis (Record, 2012).

Do primeiro, transcrevo esse trecho:

[São Luís] conheceu e guardou a definição da moeda por Isidoro de Sevilha: moneta vem de monere, "advertir", porque põe em guarda contra toda espécie de fraude no metal ou no peso. É uma luta contra a "má" moeda, a moeda falsa ou falsificada (defraudata), um esforço em prol da "boa" moeda, a moeda "sã e leal". Graças a essa moeda, que recebe em quantidade crescente, o rei pode satisfazer um dos seus desejos que, como se verá, vai assumir na religião cristã um lugar ainda mais importante no século XIII, a caridade. O rei é um grande distribuidor de esmolas e, se uma parte dessas esmolas é distribuída in natura, outra o é em dinheiro. Trata-se de outro domínio no qual se pode observar o aumento da circulação das moedas no século XIII.

Do segundo, escolho a passagem abaixo:

Meio religioso, meio leigo, nas cidades em pleno desenvolvimento, nas estradas e no retiro solitário, no florescimento da civilização urbana combinado com uma nova prática da pobreza, da humildade e da palavra, à margem da Igreja mas sem cair na heresia, revoltado sem niilismo, ativo naquele ponto mais fervilhante da cristandade, a Itália central, entre Roma e a solidão de Alverne, Francisco desempenhou um papel decisivo no impulso das novas ordens mendicantes difundindo um apostolado voltado para a nova sociedade cristã, e enriqueceu a espiritualidade com uma dimensão ecológica que fez dele o criador de um sentimento medieval da natureza expresso na religião, na literatura e na arte.

São esses parágrafos pequenos aperitivos para quem quiser alimentar-se de um historiador que sabia ser escritor.

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