sábado, 30 de abril de 2011

Ler para indignar-se

Quem não se indigna com nada... perdeu a dignidade. Uma primeira ideia, depois de ler o brevíssimo manifesto pessoal de Stéphane Hessel, atualmente com 93 anos! Chegou às livrarias recentemente. A capa vermelha. O ponto de exclamação.

Lançado na França em outubro de 2010, já foi traduzido para inúmeros idiomas. Chegou ao Brasil. Publicado pela Texto Editores, do grupo Leya.
Leiamos então. O autor escreve com simplicidade e força: "Minha longa vida deu-me uma sucessão de motivos para me indignar." (pág. 18)

E recomenda que os jovens saiam um pouco de si mesmos, e olhem ao seu redor. Quem procura motivos para sair da indiferença moral, é porque conhece o valor da dignidade humana. E ficará indignado.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Canibalismo literário

Um livro estranho, de Nestor de Holanda (1921-1970), jornalista e escritor pernambucano: Seja você um canibal. Há um título alternativo conexo: Aprenda a comer os amigos e os inimigos. Da Editora Letras e Artes, publicado em 1964.

O autor ainda pensou em outro título, A antropofagia ao alcance de todos. Os textos são de humor, envolvendo assuntos e personagens que estavam em evidência na época: Garrincha, Carlos Lacerda, Filinto Müller, Juraci Magalhães, Aliomar Baleeiro... Receitas para devorá-los. A distância no tempo e o contexto esquecido diminuem a chance de alguém, hoje, achar graça na leitura.

Contudo, um ou outro texto está mais próximo de nós. Por exemplo, quando se refere a Juscelino Kubitschek, às suas constantes viagens, e à construção de Brasília. Recomenda que o ex-presidente fosse saboreado na forma de Salada de Peixe Vivo. Vale lembrar: a canção Peixe Vivo, de que Juscelino gostava muito, era uma espécie de hino com que o povo o saudava. As 300 mil pessoas que estavam no seu funeral, em 1976, despediram-se do político com essa canção.

Transcrevo, respeitando a ortografia de 1964:

JUSCELINO KUBITSCHEK
Salada de Peixe Vivo

Misture o Peixe Vivo com batatas cozidas e môlho de maionese.

A arrumação no prato deve seguir o estilo arquitetônico de Oscar Niemeyer. As fôlhas de alface, em feixe, ao centro, lembrando a Catedral e o Senado. As batatas devem rodear o Peixe Vivo, cortadas em curvas, com as pontas para cima, como a fachada do Palácio Alvorada.

Fica um prato simpático.

Jogando, por cima, boa quantidade de polvilho, dá idéia de poeira do Distrito Federal, o que torna a decoração mais a caráter.

Difícil, apenas, é encontrar o peixe, no meio de tudo. Êle está sempre ausente do prato. Porque é peixe voador, e, como a Felicidade de Vicente de Carvalho, "está sempre, apenas, onde o pomos e nunca o pomos onde nós estamos"...

De qualquer maneira, a Salada de Peixe Vivo agrada à vista. E muita gente a prefere talvez por ilusão de óptica...

Um escritor de hoje poderia retomar a ideia canibalista e preparar alguns pratos atualizados. Seria um banquete e tanto! Algumas sugestões para quem tiver talento culinário-literário: um Lula cremoso, Marina ao molho verde, Aécio ao vinho, um FHC em pedaços, Bolsonaro à nazi, Alckmin com chuchu etc.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Leituras educadoras com Todorov

O título original não era esse, A beleza salvará o mundo. Era Les aventuriers de l'absolu. O tradutor, Caio Meira, ajudou Tzvetan Todorov (1939 -) com essa solução brasileira.

O livro foi publicado entre nós este ano (pela Difel). São ensaios sobre Oscar Wilde, Rilke e a poeta russa Marina Tsvetaeva (ou Tsvetáieva), e sobre o tema do absoluto.


Todorov está em sua melhor forma. A literatura é leitura educadora. A leitura é aventura. Mais uma das tantas "turas" de que falava Julio Cortázar. Aliás, o autor argentino dizia que a beleza era a tura das turas. Lemos para aprender, em meio à dor e à alegria, surpreendendo-nos, exigindo-nos.

Todos os tempos são difíceis. (E, a seu modo, belos.) Todos enfrentam problemas e carecem do absoluto. A arte é sempre necessária. Esses autores, diz Todorov, "e muitos outros ajudam a cada um de nós a melhor pensar e dirigir sua existência". (pág. 325)

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Leitura de Calvin e Adão

No Estado de S.Paulo e na Folha de S.Paulo de hoje foram publicadas duas tirinhas sobre leitura.

No Estadão, Calvin interessadíssimo em saber a história até o fim...
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E na Folha, um novo livro de autoajuda, com Adão Iturrusgarai:
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quarta-feira, 13 de abril de 2011

Quem foi Tasso da Silveira?

Almoçando outro dia com um amigo, perguntou-me ele se eu sabia quem era Tasso da Silveira. O nome ficou em evidência nos últimos dias: a tragédia na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo (RJ).

E hoje, por acaso, num sebo de Pinheiros, encontrei um livro desse poeta, escritor e jornalista curitibano, que faleceu no Rio de Janeiro, onde exerceu a função de professor universitário por muitos anos.

Tasso da Silveira (1895-1968), no dizer de Carlos Nejar, não tinha a altura poética de uma Cecília Meireles, a grandeza de um Drummond, ou a humildade serena de um Bandeira. Também não tinha, acrescento, a amplitude de visão de um Murilo Mendes ou de um Jorge de Lima. Era poeta regular, marcado pelo simbolismo, na literatura, e, na escrita e em tudo mais que fazia, orientado pelo catolicismo.

O livro que encontrei hoje recolhe ensaios que Tasso da Silveira escreveu na década de 1920: Alegria criadora, edição do Annuario do Brasil, de 1928.

Um trecho, com respeito absoluto à ortografia da época (as proparoxítonas não eram acentuadas, por exemplo):

"Devemos ser realistas: o que não devemos é torcer o sentido a este vocabulo. Devemos ser realistas porque só a Realidade é fecunda. Mas não roubemos á palavra Realidade a sua infinita amplitude. A Realidade é a obra de Deus, a obra total de Deus, e o que a ella se oppõe é a phantasia, gerada de nossa infinita pequenez." (p. 81)

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Uma pedra preciosa

No ano passado, surgiu a edição ampliada de Uma pedra no meio do caminho: biografia de um poema, livro em que o poema "biografado" é o famoso e famigerado No meio do caminho, de Carlos Drummond de Andrade. A ideia original, dessa insólita biografia, foi do próprio Drummond, em 1967. Parabéns aos que tiveram a iniciativa de retomá-la! Parabéns ao poeta e professor Eucanaã Ferraz, que realizou esse belo trabalho de ampliação! Parabéns ao trabalho editorial do Instituto Moreira Salles!

A pedra poética foi rejeitada e adorada, copiada e caricaturada, parafraseada, plagiada e parodiada, apedrejada, louvada, criticada, reinterpretada, homenageada, insultada, amada e odiada.

Isso e muito mais está lá. Pedra de escândalo. Pedra no sapato do poeta mineiro. Nunca se viu uma pedra de vida tão atribulada. Pedra angular da poesia de Drummond. Pedra de toque. Pedra fundamental.

Numa charge de Henfil, no jornal O Globo (17/08/1985), aparece o então ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel diante de uma senhora pedra. Naquela altura, Abi-Ackel era acusado de envolvimento com o tráfico internacional de pedras preciosas. (Mais tarde, foi inocentado.) Registrou-se, porém, a brincadeira: "no meio do caminho tinha uma pedra..."

domingo, 10 de abril de 2011

Leitores em breve futuro

Na Folha de S. Paulo de hoje, charge de Ward Sutton (cartunista da revista da The New Yorker):

sábado, 9 de abril de 2011

Voltar a ler

Leitura é uma espécie de loucura. Loucura saudável, que nos protege da normalpatia. A normalidade doentia atrofia nossa imaginação, nossa criatividade, nossa fé, nossa alegria.

Voltar a ler, título e convite de um livro entusiasmante. O autor argentino Mempo Giardinelli (1947 - ) é um militante da loucura de ler mais e melhor. "Ler abre os olhos" é o lema que define tudo.

No livro (publicado em 2006 na Argentina e traduzido pela Companhia Editora Nacional entre nós, em 2010), Mempo faz considerações bem atuais. Uma, a título de aperitivo:

"[...] comecemos por descartar a ideia simplista de que as crianças de hoje deixaram de ler porque assistem à televisão, como se dizia há uma década, ou porque são reféns da internet e dos videogames, da maneira como é propagado atualmente. Isso não é verdade. Pelo menos, não toda a verdade.

"Sem dúvida, a televisão de péssima qualidade de nossos países e a tecnologia fascinante dos jogos virtuais exercem uma influência muito forte nas crianças, mas já sabemos que se elas não leem — não deixarei de repetir — é porque, em primeiro lugar, seus pais e seus professores também não leem." (pág. 134)

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Diálogo de profundências

O diálogo recém-publicado pela Agir entre Frei Betto e o físico Marcelo Gleiser, com mediação do astrólogo, escritor e músico Waldemar Falcão, tem momentos muito bons. Título: Conversa sobre a fé e a ciência.

Um desses melhores momentos é quando Frei Betto fala da "profundência" (pág. 126), ao lado de duas outras dimensões: imanência e transcendência.

Na profundência, as dicotomias se diluem. Por que fomentar ódios e duelos mortais entre fé e ciência, entre homem e mulher, entre passado e futuro, entre razão e emoção, entre espírito e corpo?

Duelos matam. Diálogos criam chances de exercitarmos a inteligência, de aprendermos com o que nos parece estranho, esquisito, inexplicável.

Há um clima de simpatia mútua no livro, de respeito, de abertura entre religioso, cientista e artista. Um clima em que fanatismos não têm espaço, sem caírem, os dialogantes, no erro contrário: o concordismo gratuito.

Gostei.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Dicionário cabeludo

1ª edição
(Editora Guararapes)
O Dicionário do palavrão e termos afins, do pesquisador, folclorista e cabra da peste Mário Souto Maior (1920-2001), ganhou nova edição no ano passado. O prefácio é de outro cabra da peste, Gilberto Freyre  (1900-1987), que foi quem sugeriu ao autor a ideia porreta.

2ª edição
(Editora Record)
Inicialmente censurada nos anos 70 (as palavras sujas são, no entanto, mais limpas que certas palavras de ordem), a obra foi publicada pela editora Guararapes, de Recife, em 1980. As sete edições posteriores saíram pela Record, a partir de 1988, com o acréscimo de 500 verbetes cabeludos.

Agora está sob os cuidados da Editora Leitura, de Minas Gerais.

Uma curiosidade é o verbete "Souto Maior", sinônimo de palavrão. O dicionarista encontrou no Jornal do commercio de 11 de dezembro de 1977 o seguinte texto, de Andrade Lima Filho: "Só fiz três pontos, seu... E saiu um Souto Maior, puro-sangue legítimo". Um sinônimo eufemístico? Ou uma metonímia do cacete!?
Mário Souto Maior e a nova edição
do Dicionário do palavrão e termos afins (2010)

terça-feira, 5 de abril de 2011

O Elemento

Livro que recomendo para aqueles que se sentem hesitantes quanto ao futuro profissional, hesitantes sobre fazer vestibular para isso ou aquilo, ou que se sentem deslocados no emprego, ou se encontram desempregados, ou estão temerosos de ficarem desempregados: O elemento-chave (Ediouro, 2010).

O subtítulo elucida — "Descubra onde a paixão se encontra com seu talento e maximize seu potencial".

O autor inglês Ken Robinson (1950 - ) teve uma percepção simples e certeira. Não é novidade nenhuma, mas se trata de verdade esquecida por muitos educadores, pedagogos, professores. Verdade que deve ser relembrada com novas palavras, em novos contextos, e com a ajuda
de novos exemplos.

É o que o autor faz. E convence.

Cada pessoa, desde os primeiros anos da vida escolar, e no momento de ingressar no mundo do trabalho, e quando já mergulhou no dia a dia profissional, deve procurar o seu Elemento.

Estando no seu Elemento, a pessoa se move e se desenvolve como um peixe dentro d'água!

domingo, 3 de abril de 2011

Leitura perigosa

Na Folha de S. Paulo de hoje, charge de Peter Steiner (cartunista da revista da The New Yorker):

sábado, 2 de abril de 2011

O peso de cada um

Em O testamento (Editora Globo, 2009), Rainer M. Rilke (1875-1926) refere-se ao peso que cada criatura deve carregar:

"Quando se poderia impor ao cisne a prova que cabe ao leão? Como um morcego poderia entender uma parte que fosse do destino de um peixe? Ou, ainda, como a cobra que faz a digestão viria a compreender o susto de um cavalo?" (pág. 93)

Essa reflexão cabe a todos. Ler, pensar e escrever diariamente, como um destino, pode parecer peso demasiado. Mas acredito que seja este o meu peso específico. Ler. Pensar. Escrever. Diariamente.