terça-feira, 20 de março de 2012

As palavras e seu território

Irandé Antunes
Gostei imensamente do título Território das palavras, recente publicação de Irandé Antunes (Parábola, 2012). A autora é nome importante da reflexão linguística no país. Só por isso já valeria a pena comprar seus livros. Mas o título Território das palavras evoca um lugar a ser conhecido... ou invadido. Comprei o livro atraído pelo título. (Depois, vi que essa expressão foi usada por Lya Luft, Nélida Piñón e outros amantes das palavras.)


Na terra dos homens, há o território das palavras. E na vida escolar, as palavras entram e saem. Muitas andam mais quietas (o Novo Acordo Ortográfico foi um choque para todos), outras são barulhentas, violentas, algumas são nojentas, outras correm contra o vento.


Estudar o idioma não é estudar somente, nem prioritariamente, a gramática normativa. A língua se arrasta, pula, faz careta, transforma-se, mente, mexe com nossa mente.


Se nas escolas estudássemos as palavras, invadindo-lhes o território, e tivéssemos com elas um corpo a corpo sem pudor, ao invés de ficar analisando (com bocejos de tédio) orações subordinadas, objetos diretos preposicionados, verbos irregulares...


Se tivéssemos a visão de artistas do verbo, como nas palavras de Graciliano Ramos citadas no livro de Irandé (leiamos abaixo, o texto está nas pgs. 91-2 de Território), nós, professores e alunos, leríamos mais e escreveríamos melhor. E esse "mais" e esse "melhor" não precisariam de exames ou provas para receber aprovação.


E agora, Graciliano: 


Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas penduram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever deveria fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.

2 comentários:

  1. Muito bom! Lembrou-me o 'Gigolô das palavras'! Pelas dicas que o senhor dá professor, a estante que tenho aqui ficará ainda mais pesada com os livros que estou comprando [e os que ainda comprarei]. Abraços!

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  2. Gostei dos textos, em especial o que fala dos caminhos da escrita, comparando-os ao trabalho das lavadeiras. Perfeito.
    Um ótimo dia, professor.

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