quarta-feira, 26 de março de 2014

Diálogos sem-noção na livraria

Viver entre livros é para certas pessoas (quisera poder dizer "para todas as pessoas") uma experiência paradisíaca. Mas nem sempre. Os livreiros podem testemunhar. Alguns fregueses sem-noção fazem perguntas, consultas e pedidos que tiram um santo do sério.

O jeito é rir e fazer rir para não transformar em inferno o paraíso. Como no livro de Lilian Dorea (seu nome na web é Hillé Puonto), [manual prático de bons modos em livrarias], pela Seoman, de 2013. No Facebook: http://migre.me/ivw3r

Em vez de praticar a grosseria... ria! O lema do livreiro inteligente, diz a autora, é: "Rir para não cortar os pulsos". Os diálogos sem-noção recriados mostram que a falta de cultura tem salvação. A salvação é pegar na deixa, como nos desafios dos cantadores nordestinos: retomar a poesia com o final do verso anterior. O livreiro, desafiado, torna-se educador.

Leitores que fazem consultas sem-noção vão aprendendo como se movimentar no labirinto das estantes. Amostra grátis (pág. 152):

LIVREIRA: Livraria X, boa tarde.

FREGUESA: Boa tarde, é da seção de Mitologia?


LIVREIRA: Oi, boa tarde. Não, mas eu posso ajudar a senhora.


FREGUESA: Ai, filha, sabe o que é?


LIVREIRA: Hum.


FREGUESA: Então, estou procurando um dicionário de Mitologia, mas não lembro qual é.

LIVREIRA: Hum.


FREGUESA: Você pode olhar os que têm aí na livraria e separar todos que tiverem a palavra "centauro". Daí mais tarde eu dou um pulo aí para dar uma olhada.





segunda-feira, 17 de março de 2014

O presente era o futuro

É aquela espécie de livro que a gente compra sabendo que será difícil ler de cabo a rabo. São mais de 700 páginas. Não é um romance superficial, com atrativos de linguagem ou de temática, embora, por outro lado, converse com qualquer não especialista. É um livro sobre questões ligadas à antropologia filosófica e à sociologia. Pessoas comuns podem ler. Todos somos pessoas comuns...

O autor é o sociólogo italiano Domenico de Masi. Há quem diga que ele não é um intelectual. Que é apenas um bom vendedor de livros. Essa acusação recai sobre outros escritores do nosso tempo que divulgam suas ideias com amplidão (Pierre Lévy, Edgar Morin e mesmo o nosso Rubem Alves). O livro de Domenico de Masi que comprei (sabendo que será difícil ler de cabo a rabo, mas vou tentar) é O futuro chegou: modelos de vida para uma sociedade desorientada (pela Casa da Palavra, 2014, com tradução de Marcelo Costa Sievers).

A ideia de que vivemos um tempo déboussolé, "sem bússola", sem norte (estamos desnorteados), sem oriente (estamos desorientados), é o pano de fundo. Precisamos fazer escolhas, portanto, redefinir diretrizes, descobrir novos caminhos, ou novas formas de caminhar nos caminhos de sempre. Que modelos existem (ou existiram?) e podem ser retomados ou aperfeiçoados? Ou descartados? Existe um modelo brasileiro que possa inspirar projetos, animar atitudes, impulsionar gestos?

O autor nos apresenta (com leveza, mas com seriedade, é o que penso) os modelos indiano, chinês, japonês, o modelo clássico, o modelo hebraico, o modelo católico, o modelo muçulmano, o modelo protestante, o iluminista, o liberal, o capitalista, o socialista, o comunista, o pós-industrial... e o modelo brasileiro (ele se apoia em análises feitas por Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro, Roberto DaMatta, Sérgio Buarque de Holanda).

Mais não seja, a leitura deste livro nos mostrará diferentes mapas, e querer conhecê-los melhor pode sugerir leituras mais específicas.

terça-feira, 11 de março de 2014

Uma calma, uma alma

O escritor Rodrigo Naves navega mais pelos mares das artes plásticas. Este é seu trunfo. E é professor. Sua ficção se produz com atenção e cuidado e me transmite esse tom quase professoral. Nota-se isso. Mas A calma dos dias (Cia. das Letras, 2014), recém-lançado, pode nos inquietar.

Seus contos, prosas curtas e densas, meio tensas, apesar da aparente calma do dia a dia. E há poesia disfarçada, como este verso perdido dentro de um miniconto ("Horário de verão"): "Trata-se do período do ano em que as manhãs ocorrem duas vezes". Parece banal. Contudo, insinua a necessidade da contemplação.

Gostei de ler "Foca", em que o narrador-protagonista sai de casa equilibrando o mundo na ponta do nariz. E no final do dia, ou da vida, faz essa pergunta que bem pode ser mote excelente para outras reflexões: "A quem sirvo quando me esqueço?"

E vou reler algumas vezes este conto, "Teoria do cão", até ficar mais calmo:

Jacobina era um mendigo do bairro a quem me afeiçoara havia muitos anos. Todos os dias trocávamos algumas palavras: conselhos recíprocos, novidades, palpites sobre o tempo. Dava-lhe dinheiro com regularidade, que ele aceitava quase como o pagamento de uma dívida. Ele vivia com Coronel, um vira-lata em cuja pelagem indefinida convergiam muitas linhagens de cães. O bicho não era dado a expansões, mas aos poucos cedeu a meus afagos. Jacobina e Coronel passavam o tempo todo juntos. À noite dormiam colados um ao outro, em meio ao ninho de papelão e cobertores baratos que os agasalhava.

A morte de Jacobina não me deixou escolha: levei Coronel para casa e procurei ocupar o lugar que o mendigo tivera em sua vida. O animal recusou-se terminantemente a dormir na área de serviço do apartamento: arranhava a porta, gania. Resolvi então arrumar sua cama ao pé da minha. Por uns dias ele aceitou a nova situação. Um dia, despertei com o cachorro a meu lado. E não houve jeito de reconduzi-lo ao lugar anterior.

O pior, porém, ainda estava por vir. Em pouco tempo Coronel teimou em voltar para o chão e não sossegou enquanto não lhe fizesse companhia. Soube responder estoicamente às novas circunstâncias e em poucos dias já me sentia à vontade na acomodação precária.

Poucos meses depois comecei a perceber mudanças no comportamento de meu companheiro. Sentia-o intranquilo, como se os limites de meu apartamento o oprimissem. O animal não tinha sossego e rodava pelos ambientes à procura de uma saída. Uma manhã, ao retornarmos do passeio matinal, mal pude contê-lo. Coronel queria voltar à rua de todo modo. Tornara-se até violento.


Não foi uma escolha fácil. Por fim cedi a seus apelos. Hoje vivemos sem nada, à mercê da caridade alheia. Tratamos com afeto aqueles que nos ajudam. Não me arrependo um só momento pela decisão tomada. Entendo o ar de compaixão dos homens e mulheres que zelam por nós. E nossas faces maltratadas pelo tempo quase não deixam transparecer o que sentimos por eles.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Economia e humanismo

Um bom "esporte": descobrir autores praticamente esquecidos e procurar recontextualizá-los. É o caso do economista tcheco Eugen Loebl (1907-1987). Alguns livros seus foram traduzidos para o português entre as décadas de 1970 e 1980. Sua proposta humanista, crítica, baseada em pesquisa mas também em prática política (exerceu funções importantes em seu país, antes de exilar-se nos Estados Unidos), não agradava nem aos capitalistas, nem aos socialistas, nem aos comunistas. Foi um pensador independente, e talvez por isso (indevidamente) abandonado.

Já escrevia Loebl no início do seu Libertação da pobreza (pág. 1): 

Há hoje cerca de 35 milhões de pessoas vivendo abaixo do nível de pobreza nos Estados Unidos, a nação mais rica do mundo. O padrão de vida das pessoas sob o sistema econômico norte-americano é o mais alto do mundo. Não obstante, é visível a fragilidade desse sistema no qual, em meio a tal riqueza, 12,5% da população vivem na pobreza.

No Brasil, a maior e mais importante nação da América do Sul, há também grande riqueza. No entanto, numa população de aproximadamente 130 milhões, 75% vivem num nível de pobreza incomparavelmente mais baixo que esse nível nos Estados Unidos.

No mesmo livro, explica que a União Soviética praticava o "capitalismo absoluto" (págs. 22-3):

Nós resumiríamos a diferença entre o modelo marxista de uma economia planificada e a livre-iniciativa do seguinte modo: a economia soviética como um todo é, na verdade, uma única empresa. Ela é gerada por uma diretoria - o centro de planejamento. As empresas estatais são, todas, apenas algo como filiais desse grande órgão central - são orientadas pela mesma filosofia. [...] Qualidades humanas, talentos humanos - mentais e físicos - simplesmente não contam. [...] Não se pode nem mesmo chamar a essa economia de "capitalismo de Estado" porque essa gigantesca empresa pertence a um único dono - o Politburgo, o comando do Partido.

Segundo Loebl, o marxismo subestimava a criatividade humana e, por isso, também não se demonstrou uma boa solução para o problema da pobreza.

Libertação da pobreza foi publicado no Brasil pelas Edições Excelsior em 1985. Outro livro de Loebl, A sociedade responsável (em coautoria com o empresário tcheco Stephen Roman), saiu pela Editora Mestre Jou (1981). O instigante A humanoeconomia: como poderemos fazer com que a economia nos sirva e não nos destrua surgiu em 1976, pela José Olympio.

Na conclusão do livro A sociedade responsável, Loebl e seu compatriota Roman parecem estar falando do nosso tempo. Passaram-se mais de 30 anos, e suas palavras e sua perplexidade são atuais (pág. 203):

Vivemos hoje em uma das sociedades mais refinadas que o homem pôde edificar em todos os tempos. Atingimos as maiores alturas de inteligência e alcançamos mais conhecimentos do que em qualquer período anterior da história. Gostaríamos de acreditar que a nossa civilização é a maior até hoje conhecida. Entretanto, vivemos em medo constante, ansiedade constante, agitação constante. Por que será que o homem, com toda a experiência e conhecimentos que adquiriu ao longo dos séculos, é incapaz de produzir uma sociedade que elimine essas forças negativas? Por que é que parecem aumentar em vez de diminuir?

domingo, 22 de setembro de 2013

Recriar a criatividade

A educação que insiste na linearidade, na submissão e na homogeneização, nas avaliações padronizadas, nas aulas instrucionistas e nos discursos do pedagogês é uma educação fadada ao fracasso. Aliás, já fracassou.

Para renovar o sistema educacional (no mundo inteiro) é necessário repensar o pensamento, reimaginar as imagens, recriar a criatividade. Paradigmas e paradogmas merecem nossa crítica. Reinventaremos as condições de nossos alunos para que eles possam reinventar o nosso futuro?

Isso e muito mais no livro Libertando o poder criativo, de Ken Robinson, um dos mais influentes pensadores da área educacional hoje em dia, e sobre quem falei em outra postagem deste blog. O novo livro de Robinson (publicado entre nós em 2012) tem o selo da HSM Editora, com tradução de Rosemarie Ziegelmaier. 

O autor reúne algumas qualidades: clareza, precisão, bom humor, otimismo. Leitura revitalizante. Todos temos talentos inexplorados. O maior desperdício está nas salas de aula e também dentro de nossas casas. Engavetamos ou encarceramos capacidades imensas de criatividade.

Estar vivo é um privilégio. Poder desenvolver a nossa criatividade é uma urgência!

Entre os caminhos a ser trilhados, está o de conhecermos melhor nossas paixões e talentos pessoais, e saber colocá-los em jogo. Qual o seu pendor natural? Para onde se inclina o seu interesse, o seu olhar, a sua mente? Temos de fazer uma arqueologia para redescobrir os sonhos soterrados. Limpá-los da frustração.

Mas, com relação às crianças e jovens, trata-se de não enterrar suas aptidões. A curiosidade não deve ser amordaçada em nome do boletim escolar ou da disciplina. A propósito, a autodisciplina se faz quando fazemos aquilo que nos valoriza como seres criativos.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

A crise e suas surpresas

A editora Bertrand Brasil lançou recentemente Como viver em tempo de crise?, de Edgar Morin e Patrick Viveret (trad. de Clóvis Marques).

Morin fala sobre o imprevisível, sobre a complexidade que, de algum modo, joga a nosso favor. Tudo está ameaçado, mas nem tudo está perdido. O filósofo Viveret, mais prolixo do que Morin, também aborda as ameaças e possibilidades do futuro. Ambos em tom ensaístico, erudição na medida certa, clareza de expressão, evitando euforia e depressão, e cultivando uma discreta esperança.

Estamos em crise. Todos sabem que a crise está instalada. Uma crise de mil facetas. A primeira década do século XXI não foi o fim do mundo, mas o começo do fim de uma etapa planetária. Estamos em pleno apocalipse, lembrando que essa palavra significa "revelação". As dores revelam problemas e soluções. Soluções surpreendentes.

Livro curto (não chega a 80 páginas), porém nada grosso. Os autores são sutis. Abordam as tragédias com delicadeza. Sugerem, indicam, não fazem profecias, mas não desistem de apostar num mundo melhor.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Uma editora com história para contar

Na edição de agosto de 2012 da Revista Metáfora (Editora Segmento), sai uma breve resenha que escrevi sobre o livro A Globo da rua da Praia, de José Otávio Bertaso (Globo Livros, 2ª ed., 2012).


O texto está aqui

sábado, 11 de agosto de 2012

Lições paternas

Todos têm uma história a contar (ou para descobrir) sobre seu pai. As lições paternas podem ser silenciosas, difíceis, estranhas, podem ser carinhosas, profundas, talvez envolvidas pela sacralidade — enfim, sempre marcantes.

Em 2006, o jornalista Luís Colombini publicou Aprendi com meu pai, pela Editora Versar. A segunda edição saiu pela Editora Saraiva (2011). São 54 relatos, alguns muito sinceros, outros (aparentemente) influenciados por aquela nostalgia que pode tornar a realidade passada menos crua (cruel), ou menos insossa.

O modo como um pai lida com o dinheiro, as manias de um pai, os princípios éticos de um pai, seus momentos de vitória e de fracasso, a generosidade de um pai, o modo como um pai se expressa, olha, vive, morre, o legado de um pai, tudo aquilo que reconhecemos em nós e, na verdade, era nele característica inconfundível...

Além do livro, uma ideia para os leitores. No site aprendi com meu pai, o leitor vira escritor. Fica a sugestão... para um presente no Dia dos Pais do ano que vem!


sábado, 28 de julho de 2012

A dois passos do Paraíso

Jornalistas que sabem pesquisar e escrever podem apresentar bons trabalhos de divulgação (e até de reflexão) sobre temas relevantes e... transcendentes. Um exemplo é Paraíso: nossa eterna fascinação com a pós-vida, de Lisa Miller. O livro saiu pela editora Nossa Cultura, em 2011.

Entrevistando representantes de diferentes religiões, consultando obras e pesquisadores com visões de mundo (e de vida post mortem) divergentes, analisando pinturas e filmes, relatando histórias de gente como a gente, e falando um pouco sobre sua própria realidade religiosa, a autora constata o denominador comum: a maioria das pessoas, mais ou menos conscientemente, está à procura ou à espera do Paraíso.

O contexto norte-americano deste trabalho não poderia ser outro. Jornalistas tendem a ver tudo de um ponto de vista mais concreto e contemporâneo. Não são filósofos. Os leitores brasileiros terão de fazer suas próprias pesquisas e reflexões, pois temos outra história e outras experiências paradisíacas e/ou infernais...

Não é livro de teologia ou espiritualidade, mas serve como um bom ponto de partida.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Apelidos literários

Há dicionários para tudo, mas sempre se pode inventar um novo. Acabei de adquirir o Dicionário de apelidos dos escritores da literatura brasileira, de Claudio Cezar Henriques, pela Editora curitibana Appris (2012).

Apelidos elogiosos como "Pai do Romance Brasileiro" para José de Alencar; ou como "Príncipe dos Poetas Brasileiros", compartilhado por Guilherme de Almeida, Paulo Bonfim, Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, Olegário Mariano e Menotti del Picchia! Para que tantos príncipes, meu Deus?, perguntaria Carlos Drummond de Andrade (cujo apelido era o "Poeta das Sete Faces")! Mas meus olhos não perguntam nada...


Raquel de Queiroz
E uma segunda pergunta: quem serão os reis e rainhas da poesia? "Rainha das Escritoras Brasileiras" foi o apelido de Raquel de Queiroz.

Outros apelidos são menos nobres... como "Boca do Inferno", para Gregório de Matos, "Ratazana ao Molho Pardo", que Oswald de Andrade inventou contra o poeta Cassiano Ricardo (um caso típico de bullying literário), "Sir Ney" para José Sarney, e um hilariante "Tristinho de Ataúde", para Alceu Amoroso Lima, que usou o nome literário Tristão de Athayde.


Fabrício Carpinejar
Alguns são apelidos que serviriam perfeitamente para mais de um. "Médico-poeta", para Pedro Nava, serviria também no caso de Jorge de Lima. "Grande Poeta das Coisas Pequenas", para Manoel de Barros, cairia muito bem em outro poeta, Manuel Bandeira.

O dicionário também poderia inventar uns apelidos... A título de sugestão, chamar Fabrício Carpinejar de o "Mais Belo dos Feios", e Marcelino Freire seria o "Contista de Sertânia".

Os apelidos de que mais gosto são "Vampiro de Curitiba", para Dalton Trevisan, "Poetinha" para Vinicius de Moraes (que, não me lembro quem, brincando, dizia que era de "Imoraes") e "Dante negro" para Cruz e Sousa.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Sem filosofia... nem pensar!

Vou à livraria e a vejo invadida pela filosofia. Pela divulgação de filosofia, sendo mais preciso.

Com capa amarela "cheguei", desde 2011, está em evidência O livro da filosofia, da Editora Globo. Um livro de vários autores: Will Buckingham, Peter King e outros.

Como de praxe, no início era Tales, nascido em Mileto no século VII a.C. Mas não se restringe aos gregos. Menciona Confúcio e Buda. Como também é de praxe, o período medieval recebe modesta atenção, embora  devamos aplaudir o merecido destaque ao grande Tomás de Aquino.

A partir do século XVI, o desfile tradicional: Maquiavel, Bacon, Descartes, Hobbes, Pascal, Espinosa, Locke, Leibniz, Voltaire, Kant, Hegel, Kierkegaard, Marx, William James, Nietzsche, Husserl, Heidegger, Popper, Sartre, Camus, Wittgenstein, Carnap, Gadamer, Adorno, Levinas...

Um detalhe importante neste livro é a inclusão de nomes mais recentes e não tão conhecidos. São eles: Arne Naess (filósofo norueguês), Mary Midgley (pensadora britânica), Paul Feyerabend (austríaco), Thomas Kuhn, John Rawls e Richard Rorty (norte-americanos), Derrida e Lyotard (franceses), Julia Kristeva (filósofa búlgara), Henry Oruka (filósofo queniano) e Slavoj Žižek (esloveno).

A capa amarelona, com desenhos e frases que sintetizam vários sistemas de pensamento, nos convida a entrar. E, lá dentro, páginas vermelhas, azuis, verdes, diagramação boa, viva, muita ilustração, e as informações essenciais bem explicadas.

Mas a invasão filosófica, ou de iniciação filosófica, continua. Com capas atraentes, em busca de um público que já superou os livros de autoajuda.

Neste primeiro semestre de 2012, vários títulos chegaram e são fáceis de achar... e ler.

Leya lança Filosofia em 60 segundos, de Andrew Pessin, uma vez que o tempo é tão curto, e estamos tão apressados. A Civilização Brasileira lança Casos filosóficos, de Martin Cohen, mostrando a realidade comezinha, tantas vezes mesquinha, por trás dos grandes textos. A Difel lança Um passeio pela antiguidade: na companhia de Sócrates, Epicuro, Sêneca e outros pensadores, de Roger-Pol Droit, palatável. Desse mesmo autor, temos Filosofia em cinco lições, pela Nova Fronteira.


São textos para despertar o ser pensante que há em você, prezada leitora, estimado leitor! São aperitivos para maiores banquetes. Iscas para outros petiscos. Fast-food para posteriores manjares.

Se tiver 60 segundos, leia. Se quiser cinco lições, são apenas cinco. Se quiser passear, pegue sua bicicleta reflexiva. Se quiser ouvir alguns casos, senta... que lá vem filosofia! E, sem filosofia, nem pensar!

sexta-feira, 29 de junho de 2012

E aí... já leu?

José Paulo Paes publicou em 1990, pela Companhia das Letras, Poesia erótica em tradução. O livro agradou e se esgotou. Foi relançado pela mesma editora, em 2006, na coleção Companhia de Bolso.

Poemas eróticos de Ronsard, Neruda, Goethe, Baudelaire, Apollinaire, Ovídio e outros tantos. E aí... já leu? Pequenas obras-primas, traduzidas com vigor e maestria, do grego, do latim, do espanhol, do francês, do inglês, do alemão. 

Para quem gosta de ler, erótico mesmo é pegar uma edição esgotada. Aquela que, daqui a 100 anos, será um raro prazer procurar, encontrar e folhear.

A edição que está por aí, mais recente, com todo respeito, circulando de mão em mão, ainda é coisa fácil de se comprar, não tem o mesmo peso, a mesma textura, o mesmo cheiro da antiga.

Possuo na mesma estante as duas edições. A de 1990 não está envergonhada, e considero muito mais atraente.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Doses de Oscar Wilde

Numa postagem de 2011 eu falei brevemente sobre o livro Nietzsche para estressados, de Allan Percy (Editora Sextante, 2011). Desse mesmo autor, temos agora Oscar Wilde para inquietos.

A proposta é a mesma: 99 frases comentadas para fazer o leitor refletir em seu estilo de vida. Se os estressados podem encontrar em Nietzsche critérios para vencer os ressentimentos e as queixas, os inquietos vão descobrir em Wilde que um pouco de elegância e apego ao momento presente ajudam a manter a calma e apreciar as verdadeiras riquezas da vida.

Oscar Wilde era paradoxal, inconveniente, incoerente, irônico, mordaz e crítico implacável das hipocrisias sociais. Amante da beleza e do prazer, denunciava: sabemos o preço de tudo, mas não sabemos o valor de nada!

De fato, algumas doses de Wilde serão úteis para aqueles que passam o dia preocupados e atarefados com tantas coisas importantes e urgentes, mas esquecem de valorizar a única coisa realmente essencial — estar vivo...

sábado, 26 de maio de 2012

Palavras sumidas sempre reaparecem

Hoje em dia ninguém mais deixa o outro no chinelo, ninguém mais fica jururu, ninguém mais usa japona, ninguém mais mora no cafundó do Judas, ninguém mais é muquirana.

Descobri que ainda uso essas palavras ou pelo menos as reconheço facilmente. Mas não pertencem a este nosso tempo, não frequentam nossas conversas reais ou virtuais. Jururu, muquirana e outras tantas palavras andam sumidas, embora reapareçam vez ou outra.

Reaparecem no Pequeno dicionário brasileiro da língua morta, do jornalista Alberto Villas. A Editora Globo acaba de lançar. O autor explica tudo, tim-tim por tim-tim, e ainda traduz as antigas e mortas pelas novas e saltitantes. É que as noções são as mesmas, mudam os termos.

O pirralho virou moleque. O maioral hoje é o cara. O laquê desapareceu, agora é gel. O que antes era gorar agora é micar. O que era estapafúrdio atualmente é bizarro.

Palavras mortas, ou quase mortas. Sumidas, mas de repente voltam. "Bacana" tinha sumido, e não é que voltou? Este livro é bem bacana, morou?

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Errar é autenticamente humano!

Errar não é um episódio esporádico na vida humana. Ao contrário, o ser humano é um ser que se equivoca, é um ser errante, errático, erradio.

Não admitir que erramos ao longo do dia (e todos os dias) é um erro a mais em nosso currículo! Tentar convencer os outros (e a nós mesmos) de que não nos equivocamos constantemente é um novo equívoco!

Somos manipuláveis, falhamos sem perceber (ou sempre temos uma razão que elimina a gravidade de nossas falhas), andamos iludidos até o fim da vida, acreditando, porém, que os outros, sim, estão mergulhados na ignorância, na burrice ou nas más intenções.

Estas frases nasceram de minha leitura de Por que erramos?, de Kathryn Schulz, jornalista e escritora norte-americana. O livro foi publicado em 2011 pela Editora Larousse.

A autora surpreende por seu talento filosófico. Argumenta com segurança, articula informações científicas com fatos históricos, faz o leitor pensar. É uma estudiosa da errologia, ciência (sem pedigree) fundamental para que superemos o perfeccionismo ilusório.

A erróloga Kathryn Schulz
Um trecho (pág. 34) como aperitivo:

Para que o erro nos ajude a ver as coisas de maneira diferente, contudo, temos primeiro de vê-lo de maneira diferente. Esse é o objetivo deste livro: promover uma intimidade com a nossa própria falibilidade, expandir nosso interesse e vocabulário para falar sobre nossos erros e nos determos por algum tempo dentro da normalmente fugaz e efêmera experiência de errar.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Se você quiser xingar alguém...

Não aconselho que as pessoas se insultem, mas se você quiser xingar alguém, então faça com propriedade. Consulte o Dicionário brasileiro de insultos, de Altair Aranha (Ateliê Editorial, 2002).

Eu o comprei faz exatamente dez anos, e garanto sua utilidade. Toda vez que alguém me xinga, vou ver o que o xingador queria dizer exatamente...

Em geral, o mentecapto (estou xingando o xingador de alienado e louco) não sabe a definição correta do xingamento que escolheu e comete uma lamentável imprecisão semântica. E isso é grave. 

Cada insulto deve ser aplicado ao insultado na medida certa.

Chamar alguém de e.t. é dizer que o sujeito é muito estranho, mas chamá-lo de bicho-do-mato é afirmar que se trata de uma pessoa retraída, esquisitona.

O camarada que não sabe insultar revela-se um autêntico desbocado! Um xingamento fajuto não presta, e, se não presta, pode acabar se voltando contra o próprio xingador.

Portanto, sejamos honrados e elegantes: xingar direito é um dever do bom topetudo!


domingo, 15 de abril de 2012

Uma poeta polonesa

Li um poema de Wislawa Szymborska (1923-2012) na ocasião em que esta escritora polonesa ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 1996. No ano passado, a Cia. das Letras publicou uma coletânea de seus poemas, com tradução de Regina Przybycien.


A impressão que tive 15 anos atrás se confirmou. A poeta conhece por dentro o drama de termos nascido humanos. Num de seus poemas, bate à porta da pedra. Pede para entrar. A pedra não abre, alegando que está fechada, que não tem portas, que continuará vivendo de costas para a poeta.


Proibida de entrar no mundo da pedra, também não conseguirá entrar no mundo da folha ou da gota d'água. Pior do que estar num beco sem saída é não poder sequer entrar. Recusas experimentamos sempre.


Para ela, há um ou dois poetas em cada grupo de mil pessoas. Dado intuitivo, impossível de contestar ou corroborar. Mas certamente ela é uma poeta.


E vejam este poema:    


                    
As três palavras mais estranhas

                     Quando pronuncio a palavra Futuro,
                     a primeira sílaba já se perde no passado.

                     Quando pronuncio a palavra Silêncio,
                     suprimo-o.

                     Quando pronuncio a palavra Nada,
                     crio algo que não cabe em nenhum não ser.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Um livro animal

A vida de Pi, de Yann Martel (Editora Nova Fronteira, 2010), é um livro animal. No sentido da gíria, porque é um livro fantástico, fora de série, mas também porque trata de animais... e de seres humanos, perigosos animais que somos.


O protagonista é o garoto indiano Piscine Molitor Patel. Seu apelido é Pi, e sua vida gira em torno de religiões e bichos. Pi aprendeu que num jardim zoológico os animais observam os visitantes humanos com tanta ou maior curiosidade do que nós a eles. E não alimenta a ilusão de que javalis, macacos e elefantes, nas jaulas, estejam em situação pior do que na selva, onde predadores, parasitas e outros perigos tornam tão estressante a vida animal.


O livro se torna ainda mais interessante na parte 2, quando, depois de um naufrágio, Pi se vê num bote salva-vidas, no meio do oceano Pacífico, em convivência forçada com uma hiena traiçoeira, uma zebra, uma orangotango e o terrível (e faminto!) tigre de bengala chamado Richard Parker.


É uma aventura mística, afinal, em que se misturam medo e alegria, dúvida e fé, desespero e esperança. O desenlace surpreende.

terça-feira, 20 de março de 2012

As palavras e seu território

Irandé Antunes
Gostei imensamente do título Território das palavras, recente publicação de Irandé Antunes (Parábola, 2012). A autora é nome importante da reflexão linguística no país. Só por isso já valeria a pena comprar seus livros. Mas o título Território das palavras evoca um lugar a ser conhecido... ou invadido. Comprei o livro atraído pelo título. (Depois, vi que essa expressão foi usada por Lya Luft, Nélida Piñón e outros amantes das palavras.)


Na terra dos homens, há o território das palavras. E na vida escolar, as palavras entram e saem. Muitas andam mais quietas (o Novo Acordo Ortográfico foi um choque para todos), outras são barulhentas, violentas, algumas são nojentas, outras correm contra o vento.


Estudar o idioma não é estudar somente, nem prioritariamente, a gramática normativa. A língua se arrasta, pula, faz careta, transforma-se, mente, mexe com nossa mente.


Se nas escolas estudássemos as palavras, invadindo-lhes o território, e tivéssemos com elas um corpo a corpo sem pudor, ao invés de ficar analisando (com bocejos de tédio) orações subordinadas, objetos diretos preposicionados, verbos irregulares...


Se tivéssemos a visão de artistas do verbo, como nas palavras de Graciliano Ramos citadas no livro de Irandé (leiamos abaixo, o texto está nas pgs. 91-2 de Território), nós, professores e alunos, leríamos mais e escreveríamos melhor. E esse "mais" e esse "melhor" não precisariam de exames ou provas para receber aprovação.


E agora, Graciliano: 


Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas penduram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever deveria fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.

terça-feira, 13 de março de 2012

Dentro do coração

Coração, na edição
da Cosac Naify, 2011.
Poderíamos brincar com a letra da famosa canção... Livro é coisa para se guardar debaixo de sete chaves, dentro do coração...


Porque volta e meia retomamos autores ou obras que nos marcaram um dia. Dentre os livros que li no início da adolescência, Coração, de Edmondo de Amicis (1874-1908), estava guardado em lugares secretos da alma, ou da mente, ou do próprio coração.


Cuore, na edição
da Autêntica, 2012.
Guardava da antiga leitura uma sensação de leve sofrimento, de angústia contida perante as dificuldades de alunos italianos num tempo longínquo, dificuldades materiais na Europa do século XIX, dificuldades no relacionamento escolar, a dolorosa comparação entre colegas, porque sempre há os colegas mais ricos, os mais pobres, os mais fortes, os mais fracos, os mais inteligentes, os menos...


Guardava sob sete chaves a imagem de professores dedicados, abnegados, e de pais e mães que se sacrificavam pelos filhos, e de garotos tentando entender o porquê da vida...


Mais de 30 anos depois, deparo outra vez com o mesmo livro. Já não é o mesmo, certamente, porque o leitor que eu fui mudou, e muito. Então, tanto a edição da Autêntica (2012) como a da Cosac Naify (2011) chegaram na hora da releitura. É hora de reler o livro. E reinterpretar quem sou.