A questão dos estrangeirismos está sempre viva. Recentemente, um professor me dizia que o termo (to) bully (palavra do momento, pauta constante, tema de palestras em escolas), deveria ser substituído pelo nosso verbo "bulir", que no dicionário significa "caçoar", "brincar", "zombar".
De fato, não precisamos adotar palavras estrangeiras. No caso, tenho ouvido cada vez mais as pessoas pronunciarem "buli" em lugar de bullying (ouça aqui a pronúncia em inglês). Os falantes em geral não adotam. Acabam adaptando, transformando.
Um livro de Cândido de Figueiredo (1846-1925), do início do século passado (tenho a quarta edição, de 1923), intitulada Os estrangeirismos, defendia que alguns são imprescindíveis, que outros são convenientes, outros podem ser toleráveis, mas que muitos estrangeirismos deveriam ser condenados e evitados, em nome da pureza da língua.
A pureza da língua para o prestigioso filólogo português era um valor que no Brasil também se defendia naqueles tempos. Mas lembremos da Semana de 1922 e de tudo o que se pensou e se fez em nome de um possível português brasileiro, menos puro, e mais real, mais comunicativo!
Nesse Os estrangeirismos há curiosidades, como estas (pág. 45):
— "O menu era o seguinte..." —
Repugnou-me sempre, como é natural, aquela designação francesa da lista de pratos de um banquete; mas realmente inda não descobri coisa que a possa substituir com evidente e completo aprazimento meu e de quantos desejariam vêr a nossa língua expurgada de todas as francesias inúteis e desconchavadas. Eu já propus modèstamente lista de pratos, e até a simples palavra jantar ou banquete, para encimar uma lista de iguarias; mas tenho a convicção de que é proposta ao vento. Uma plêiade de escritores novos já em tempos sugeriu ementa, derivado do verbo ementar; mas a sugestão não vingou em frutos, se bem que inda há pouco eu li o termo, sobrepôsto á lista do banquete celebrado em honra do Congresso Colonial.
No Brasil, especialmente nos Estados do Sul, está sendo adoptada, em vez de menu, a palavra cardápio, criação arbitrária do velho Dr. Castro Lopes, sôbre o latim caro + daps. Como os Brasileiros, honra lhes seja feita, — detestam mais os galicismos do que nós, — aceitam ás vezes neologismos extravagantes, que em Portugal dariam tema a caricaturas e gazetilhas. O cardápio é um dos tais. Não creio que êle vingue entre nós, nem realmente lhe descubro direitos a isso.
Numa publicação da Parábola Editorial, Estrangeirismos — guerras em torno da língua (de 2001, organizada por Carlos Alberto Faraco), Marcos Bagno menciona Cândido Figueiredo como um dos tantos defensores apocalípticos da pureza do idioma, e escreve para tranquilizar a todos os que temem a invasão de palavras estrangeiras (págs. 74-5):
[...] os estrangeirismos não alteram as estruturas da língua, a sua gramática. Por isso, não são capazes de destruí-la, como juram os conservadores. [...] nossa pronúncia dessas palavras estrangeiras se faz de acordo com as características fonético-fonológicas do português brasileiro, ou seja, elas são tratadas foneticamente como se não fossem estrangeiras. É bem provável que a palavra e-mail pronunciada à brasileira — [i-mey-yu], trissílaba — seja irreconhecível para um falante nativo de inglês, que a pronuncia [i-mèl], dissílaba. Pode ser que daqui a pouco tempo, quando a coisa a que se refere deixar de ser uma novidade, o vocábulo já apareça escrito imeio ou imêiu e não seja mais percebido como um estrangeirismo, exatamente como aconteceu com sinuca (> snooker), panqueca (> pancake), e maxambomba ( > machine-pump).
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